Home » Artigo de Opinião » Lesados do BES, o Estado e o Papel do Banco de Portugal
Lesados do BES, o Estado e o Papel do Banco de Portugal

Lesados do BES, o Estado e o Papel do Banco de Portugal

Tempo de leitura estimado: 6 minutos

O colapso do Banco Espírito Santo (BES), em 2014, deixou um rasto de destruição financeira e humana que ainda hoje persiste. Para os lesados do BES, o impacto vai muito além da perda de poupanças: é a perda de confiança num sistema que deveria protegê-los. O que se revela ainda mais perturbador é a ausência de uma assunção clara de responsabilidades por parte do Estado português e do Banco de Portugal, as duas entidades que deveriam ter agido para impedir o que se revelou ser um dos maiores escândalos financeiros da nossa história.

Quem São os Lesados do BES?

Os lesados do BES representam um grupo de pessoas enganadas, que investiram as suas poupanças em produtos financeiros complexos, muitas vezes sem uma verdadeira noção dos riscos que corriam. Estes produtos, vendidos como “seguros”, acabaram por arruinar as vidas de muitos pequenos investidores e reformados, que confiavam nas instituições bancárias e nos reguladores para garantir a segurança dos seus investimentos.

Muitos desses produtos foram comercializados dentro de uma bolha de confiança, alimentada pela reputação histórica do BES. Para a maioria dos lesados, o banco era uma entidade confiável, e o sistema de regulação financeira em Portugal era suposto ser a sua salvaguarda final.

O Papel do Banco de Portugal: Regulação ou Inação?

É aqui que o papel do Banco de Portugal (BdP) se torna central na discussão. O BdP tinha, e continua a ter, a missão de supervisionar o sistema bancário português e assegurar que as entidades que operam no mercado cumprem as regras que protegem os consumidores e a integridade do sistema financeiro. No entanto, é legítimo questionar se essa missão foi cumprida no caso do BES.

À medida que o julgamento avança e os detalhes vêm à tona, fica claro que existiam sinais de alerta sobre a situação do BES muito antes do colapso. Durante anos, o banco esteve envolvido em operações financeiras opacas, muitas delas ligadas ao Grupo Espírito Santo (GES), cuja má gestão era conhecida em várias esferas. O Banco de Portugal teve várias oportunidades para intervir de forma mais decisiva, mas a resposta foi, na melhor das hipóteses, tardia e, na pior, incompleta.

A falta de ação do Banco de Portugal é inquestionável. A pergunta é: porquê? Era o BdP incapaz de entender a complexidade da rede de interesses dentro do BES? Ou simplesmente fechou os olhos, numa atitude de complacência para com uma das famílias mais poderosas do país? A ausência de uma intervenção eficaz custou caro ao povo português.

A Responsabilidade do Estado Português

O Estado português, como entidade suprema e guardiã do bem comum, também não está isento de culpas. Quando o BES começou a mostrar sinais de instabilidade, o governo tinha a responsabilidade de proteger os seus cidadãos e assegurar que o sistema financeiro não colapsasse de forma tão desastrosa. No entanto, ao longo do processo, a resposta do governo foi muitas vezes reativa, em vez de proativa.

Se o Banco de Portugal falhou como regulador, o Estado falhou ao não tomar medidas adequadas para evitar que a situação atingisse o ponto de rutura. A falta de uma investigação aprofundada e uma resposta mais rápida contribuiu para que o buraco financeiro deixado pelo BES se tornasse ainda maior, prejudicando não só os lesados, mas o próprio sistema financeiro português.

Quem Vai Defender os Enganados?

Os lesados do BES foram deixados sozinhos a lidar com as consequências de decisões financeiras que eles próprios não controlavam. Pior, foram vendidos produtos por intermediários de confiança, sem o devido esclarecimento. Onde estava o Banco de Portugal quando estes produtos foram comercializados de forma agressiva e sem transparência? E onde estava o Estado quando era necessário agir com rapidez?

Ao longo do julgamento, as vítimas não têm apenas procurado justiça contra Ricardo Salgado e outros envolvidos no escândalo. Elas querem respostas do sistema que as devia proteger. As indemnizações até agora oferecidas parecem uma gota no oceano de perdas que enfrentaram. O Estado português, através do Banco de Portugal, foi conivente ao permitir que esta tragédia financeira se desenrolasse, sem as devidas medidas de contenção.

Previsão do Desfecho: Um Teste ao Sistema Judicial

Este caso não se limita a punir um homem ou uma administração. O Caso BES será um marco na forma como a justiça portuguesa lida com crimes financeiros de grande escala e como o Estado responde às falhas dos seus reguladores. O julgamento de Ricardo Salgado e outros gestores do BES representa uma oportunidade de ouro para restaurar a confiança no sistema judicial e financeiro. Mas a questão que se coloca é: será que a justiça vai prevalecer ou estamos a assistir a mais um capítulo de impunidade para os poderosos?

Infelizmente, se o passado recente serve de exemplo, há um receio crescente de que o desfecho não traga a justiça devida aos lesados. A inércia do Estado e do Banco de Portugal já são provas de que as instituições não souberam lidar com o colapso. O que resta agora é uma decisão que devolva a dignidade às vítimas e que estabeleça uma verdadeira responsabilização de todos os envolvidos, incluindo o próprio Estado.

Conclusão: A Justiça Tardia Não Pode Ser Injustiça

O Estado português e o Banco de Portugal não podem fugir à sua responsabilidade. Se o BES caiu, foi porque quem deveria proteger o sistema financeiro falhou—e falhou com os cidadãos. Este julgamento não pode ser apenas sobre Ricardo Salgado e o seu círculo restrito. Deve ser sobre as falhas sistémicas que permitiram que este escândalo acontecesse, e sobre como o Estado, incluindo os seus reguladores, devem responder às suas próprias falhas.

No final, os lesados merecem mais do que palavras de consolo. Merecem justiça. Justiça que até agora tem sido uma miragem, mas que, esperamos, um dia se tornará realidade.

Lino Gonçalves
Diretor de Informação
iPressJournal.pt

Partilhar em:

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.Os campos obrigatórios estão marcados *

*

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.