Tempo de leitura estimado: 5 minutos
Muito antes de o Japão se tornar um fascínio global, quatro jovens japoneses atravessaram o mundo e chegaram a Portugal. Partiram de Nagasaqui no final do século XVI, numa época em que o Japão começava a abrir-se ao exterior com cautela e curiosidade, em grande parte devido à ação dos jesuítas. A viagem durou quase dois anos, marcada por mar aberto, tempestades, portos longínquos e um espanto contínuo, até alcançarem Portugal, país que representava para eles o centro da cristandade e a porta de entrada na Europa.
Chegaram por Macau e por Goa, territórios onde o Oriente e o Ocidente já se cruzavam diariamente. Eram ainda adolescentes e tornaram-se os primeiros japoneses de que existe memória histórica segura a pisar solo europeu. Onde passavam despertavam admiração, não apenas pela distância percorrida, mas por trazerem consigo um Japão quase desconhecido e envolto em mito aos olhos europeus.
Em Portugal, passaram por várias cidades, mas foi no Alentejo que esta história ganhou contornos singulares. Em Évora, cidade de saber e de fé, ouviram um órgão tocar. O som impressionou-os profundamente. A potência da música, a vibração do espaço e a solenidade do templo eram experiências totalmente novas para jovens oriundos de uma tradição musical muito distinta.
Em Vila Viçosa, a receção assumiu um significado ainda mais simbólico. D. Teodósio II, duque de Bragança, recebeu-os com solenidade e curiosidade. Tinha praticamente a mesma idade dos jovens japoneses. O encontro entre adolescentes vindos de extremos opostos do mundo, com trajes e culturas distintas, mas unidos por códigos comuns de cortesia e admiração, ilustra bem a singularidade desse momento histórico.
Para os jesuítas, esta embaixada tinha um valor estratégico e simbólico enorme. Representava a prova viva de que o cristianismo criava raízes no Japão e servia como argumento poderoso para angariar apoios e financiamento na Europa. Para a Casa de Bragança, o contacto com o Japão era também uma forma de afirmação política e cultural, mostrando que Vila Viçosa estava ligada a um mundo muito mais vasto do que o território português poderia sugerir.
Durante alguns dias, os jovens viveram em ambiente cortesão. Descreveram a comida como excelente. Observaram atentamente as pessoas, os gestos, as festas, as brincadeiras e os jogos. Tudo era visto com curiosidade genuína. Não eram apenas enviados numa missão religiosa. Eram jovens a descobrir o mundo.
Esta história, contudo, não se limita à presença japonesa na Europa. É também a história de Portugal no Japão. A influência portuguesa deixou marcas profundas, sobretudo no vestuário. O botão, inexistente no Japão antes do contacto europeu, foi introduzido pelos portugueses e rapidamente adotado. Vestir à portuguesa tornou-se moda em certos meios urbanos e cortesãos, em especial nas cidades portuárias.
O quimono manteve-se como peça central, mas ganhou novas leituras. O obi passou a assumir variações influenciadas pelo contacto europeu. Chapéus começaram a ser usados como sinal de distinção social. Os óculos, raros e fascinantes, tornaram-se símbolo de saber e estatuto. Até os leques europeus chegaram ao Japão e foram reinterpretados por uma cultura que já lhes atribuía grande valor estético.
A língua japonesa conservou também vestígios desse encontro. Palavras portuguesas entraram no vocabulário quotidiano e sobreviveram ao tempo, associadas à alimentação, aos objetos, ao vestuário e à vida prática. São marcas discretas, mas persistentes, de uma história partilhada.
Quando regressaram ao Japão, tinham passado cerca de oito anos desde a partida. Já não eram jovens curiosos. Eram padres. Porém, o país que reencontraram era outro. O cristianismo fora proibido e iniciara-se uma perseguição severa. Um deles foi forçado a renunciar à fé. Outro conseguiu fugir para Macau. Julião permaneceu no Japão, vivendo a fé em segredo e acompanhando comunidades cristãs longe do olhar do poder.
Persistem mistérios. Não se sabe o destino de vários objetos oferecidos por D. Teodósio II, como livros e outros presentes que simbolizavam o encontro entre dois mundos tão distantes.
Um desses símbolos, contudo, chegou até aos nossos dias. O órgão oferecido por D. Teodósio à embaixada permanece hoje preservado numa associação japonesa. É mais do que um instrumento musical. É a prova concreta de que, muito antes de o Japão se tornar uma paixão contemporânea, jovens japoneses ouviram música europeia no Alentejo e portugueses deixaram marcas duradouras do outro lado do mundo.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, historiador e autor
Publicado pelo iPressJournal.pt
