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O vinho de talha é hoje uma das expressões mais marcantes da vitivinicultura alentejana, mas as suas raízes atravessam séculos de preservação silenciosa. Durante o período das invasões francesas, no início do século XIX, muitas aldeias do Alentejo recorreram a uma prática simples para proteger o vinho: enterrar as talhas de barro para impedir que fossem saqueadas. O gesto, motivado pela necessidade, acabaria por revelar um processo que conferia ao vinho características únicas.
As talhas enterradas mantinham uma temperatura estável e asseguravam uma fermentação lenta, que preservava aromas naturais e dava ao vinho notas terrosas e uma textura distinta. O barro, poroso e respirável, criava um ambiente ideal para uma evolução que nenhum barril conseguia replicar. Esta prática foi posteriormente aperfeiçoada por monges e comunidades locais, que transformaram o método num saber transmitido entre gerações.
Abrir o vinho na talha tornou-se um ritual comunitário. O momento de retirar o “pito” — a pequena abertura no fundo da ânfora — marcava o fim de meses de espera e o início de uma celebração que juntava famílias e vizinhos. O vinho revelava-se denso, aromático e com um perfil marcado pelo contacto prolongado com o barro e com o solo.
Hoje, vários produtores alentejanos recuperam esta técnica ancestral, reforçando o valor patrimonial da tradição. O vinho de talha é mais do que um produto enológico: é uma ligação directa à história, ao território e à capacidade das comunidades preservarem práticas antigas em tempos de mudança. Cada garrafa representa um testemunho vivo da identidade alentejana e da forma como a região soube transformar necessidade em tradição.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor

