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No inverno de 1939, durante a Guerra de Inverno, a Finlândia enfrentou a invasão do exército soviético e uma crise humanitária agravada pelo frio extremo. Portugal, então governado por António de Oliveira Salazar, foi um dos poucos países que enviou apoio ao povo finlandês. A ajuda consistiu sobretudo no envio de trigo e bens alimentares, recolhidos pela Cruz Vermelha Portuguesa e entregues à Cruz Vermelha Finlandesa.
Este episódio, pouco referido na memória histórica nacional, revela uma dimensão específica da política externa do Estado Novo. Numa época marcada pela prudência diplomática e pela neutralidade estratégica, o governo português autorizou um gesto de solidariedade que teve impacto político e simbólico. A ajuda era modesta em quantidade, mas significativa no plano internacional. Representava uma posição crítica face ao comunismo soviético e alinhava Portugal com Estados que se apresentavam como defensores da ordem cristã na Europa do Norte.
Para Salazar, a Finlândia tornou-se um exemplo útil de um país pequeno que resistia ao avanço soviético. O apoio enviado também permitia projectar a imagem de um Portugal cooperante e civilizado, preservando ao mesmo tempo a neutralidade declarada. A imprensa portuguesa, sujeita a censura, tratou o gesto como demonstração de generosidade nacional, ainda que o contexto diplomático revelasse objectivos mais amplos.
Na Finlândia, a ajuda portuguesa foi recebida com gratidão. O simbolismo pesava mais do que a quantidade. Um país distante, sem interesses directos no conflito, mobilizava-se para apoiar um povo sob ataque. Foi visto como um acto raro de solidariedade entre nações pequenas.
Recordar este momento histórico permite compreender como, mesmo em regimes autoritários, surgem actos de cooperação e apoio humanitário. Porém, também ilustra que a política internacional mistura frequentemente solidariedade com cálculo estratégico. O trigo enviado à Finlândia mostra ambas as dimensões.
O episódio merece ser observado com rigor histórico, sem romantizações nem leituras simplistas. É um caso que ajuda a compreender a complexidade da politica externa portuguesa durante o Estado Novo.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor

